terça-feira, 26 de julho de 2011

Eu sei, mas não devia.

( ler até o final, para respirar sorrindo depois )












'Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos

e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor.

E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.

E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.

E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz.

E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.

A tomar café correndo porque está atrasado.

A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.

A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.

A sair do trabalho porque já é noite.

A cochilar no ônibus porque está cansado.

A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.

E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.

E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz,

aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.

A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.

A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.

A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.

E a ganhar menos do que precisa.

E a fazer filas para pagar.

E a pagar mais do que as coisas valem.

E a saber que cada vez pagará mais.

E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes.

A abrir as revistas e a ver anúncios.

A ligar a televisão e a ver comerciais.

A ir ao cinema e engolir publicidade.

A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição.

As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.

A luz artificial de ligeiro tremor.

Ao choque que os olhos levam na luz natural.

Às bactérias da água potável.

A contaminação da água do mar.

A lenta morte dos rios.

Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães,

a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.

Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui,

um ressentimento ali, uma revolta acolá.

Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.

Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.

Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.

E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo

e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.

Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se

da faca e da baioneta, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,

de tanto acostumar, se perde de si mesma.'



Marina Colasanti


Dias de busca pela palavra macia, frouxa, gostosa. Dias de deixar a janela escancarada e se escancarar! Dias de sorriso, de sonhos imperfeitos. Dias de arte, espelhos, amigos e olhar.

terça-feira, 19 de julho de 2011

#Junk

Hoje acordei como há 3 meses atrás, no dia 21 de abril, com um aperto imensúravel no peito. Naquele dia, eu fui até a sala, eu ia até o quarto, eu dizia, tá doendo, tá doendo e eu não sei o porquê... E à noite, veio a notícia, veio a tragédia, que não ia doer tanto, se fosse comigo. Hoje, depois de uma noite muito difícil, sozinha em casa, depois de gritar de dor, e pedir, por favor, ajuda para ninguém, o coração deu de apertar de novo. Eu acordei e peguei o violão, tentei umas notas, e não achei saída. Hoje eu não achei saída. E entrei no facebook, que às vezes pode salvar almas perdidas, e tinha uma foto das pseudonas postada pela @CamilaDias. Um recado da @AnaBeatriz que vacilou no meu coração, emaranhado de saudades casuais e eternas. E agora, umas palavras que chegaram e perfuraram o peito. Pelo que parece, os corações e as lembranças hoje deram de não sustentar a dor. Ao mesmo tempo que essa palavras chegaram, eu me senti mais fraca ainda, porque eram de mãe, Mãe, MÃE. E as palavras de mãe, ultrapassam a racionalidade da psique humana. E o coração dela está apertado por espinhos, mais espinhos do que está o meu.

Junk! Paul McCterney! Onde você estava em 1971 quando tirou essa harmonia? Elis, me diz, que geração foi a sua que acreditava que outros outubros virão, se você mesma morreu de Overdose? Os outros outubros não vão vir, é isso? John Lennon morreu com uma bala cravada no peito. Diz - me alguém se é melhor perfurar o peito ou perder a consciência aos poucos... Diz - me a hora certa do trem partir.

As palavras e o silêncio se equilibram latentes dentro do nosso ètré. Numa hora dessas, nem a palavra pode salvar, nem os amigos, nem a mãe, nem você pode se salvar. Você está à mercé dos movimentos da vida que embrulham tudo. E ela vai te embrulhar... E você nunca vai estar preparado.

domingo, 17 de julho de 2011

#Home


"Vou trancar - me para nunca mais abrir, pro sabor dos nossos sonhos não fugir".


Voltei do #SuperBock grata pela juventude européia que me fez sentir parte de uma geração, que eu, nascida em 1990, ainda não conseguia sentir. Juventude translúcida, que me trouxe a sensação (ou eu a busquei) de pertencimento, sem espaços vazados. E fomos movidos por além das "Impressions of earth" do The Strokes, na nossa "Last Night" no maior Festival de Verão de Portugal. Fomos movidos pelos Macacos Árticos (Arctic Monkeys na boa tradução), pelos cartoons do Portishead ( e fiquei cantarolando o resto da viagem "give me a reason to love you, give a reason to be" ) pela orquestra excêntrica do Beirut e o Rock 'roll de boas referências do Slash! Arcade Fire com Reginé Chassagne mostrou porque é aplaudido pela crítica e comemora uma coleção de prêmios recentes pelos Álbuns Funeral e New Bible. A apresentação no #SuperBock renderam à banda canadense mais uma marca na história dos seus melhores shows já realizados. Quanto colorido, quanta vontade de fazer música e experimentar! Sinto isso da minha geração, quanta vontade de.... experimentar. Respiro aliviada por não precisar, nunca mais, cantar The Who, a estar na altura de uma crise existencial em situação de risco. ( I'm talking about my generation)


Title: The song is Virgínia, Mutantes.

Go away and close the door, please.

terça-feira, 5 de julho de 2011

#Pitangas



As ruínas feitas e (re) feitas de terra vermelha, o ar úmido que lembrava a pele seca dos árabes forasteiros, aquela solidão feita de tapetes, lenços coloridos, prata e fósseis que me fizeram desmanchar em prosa. Um gato marroquino para contrastar a luz forte, clara e oblíqua que transcendia no meu coração torto, esvaziado pelos amores que se perderam no tempo.



segunda-feira, 4 de julho de 2011


Nós nos equilibramos, por isso passamos do silêncio para as palavras.

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