terça-feira, 27 de maio de 2014

A pequena história de Justine - capítulo I

"Eu preciso resistir à palavra que me escapa, eu preciso buscá-la". 
- Corre, corre, corre, Justine - dizia a pequena Angie. 

Angie era a menina enclausurada em Justine. Como na sobreposição de personalidades Bergmianas, Angie dançava em liberdade pelo salão, em silêncio. Não era notada pelas pessoas vestidas de musseline e de ternos com gosto de naftalina. A pequena menina não tinha tempo para os desamores de Justine. Motivo mais óbvio não poderia ter: estaria ela sempre a se preocupar com a pele jovem de sua guardiã. 

A terceira música dos anos 60 teria acabado quando diz Justine, ela, a pequena, teria confessado a sua intimidade: o que era então, senão a coluna cervical de Justine? Era mais que a coluna, mas por que ela não saberia? Sua confissão foi sussurrada, foi também quase vã, eu posso confessar ao leitor. Se na estrada em linha reta estava Justine, em espirais caminhava Angie. Eu vi quando o encontro aconteceu e a pequena gritou "Corre (...)". Desde então, Justine não parou de correr, e desde então, Justine nunca conseguiu escutar Angie.  

Mas Angie continuava ali. Intacta pela tela de fundo branco que ela dizia não mais que: palavra. Angie era a palavra e este era o segredo. Esta era a intimidade. Angie era a palavra que escapava da caótica Justine. A pequena ainda estava trancada no confessionário, junto com o rádio dos anos 50, o relógio de pêndulo (o que caiu no porão pela fresta da tábua bicentenária), a caixa de baralhos e uma faca de serra artesanal que ficava pendurada na cozinha. Também vi quando Justine trancou tudo. O que na minha irrelevante opinião, significou um ato de contenção. 

"No reino das profecias carnais, você privou o teu útero de falar, Justine. Você guardou dentro do confessionário, este que é o mais simbólico espaço de culpa do ocidente que se tem notícia! Não, Justine! Você nunca tinha percebido isso, Justine? Por que você não vai lá e cola aquele papel de parede ao invés de guardar o rádio tão velho que nem funciona mais? Você me guardou, Justine. Hoje pediria para sair se não estivesse decidida em arrombar estas portas. Chega de respirar por grades! - diz a pequena palavra Angie aos ouvidos de Justice, que sai indiferente pela porta lateral às 14h25. 

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