segunda-feira, 22 de abril de 2013

Guria sem relógio

Por Mariana Borba -

Já vi em seu pulso, mas não acho que contavam horas. Devia ser de verdade, com quase toda a certeza. Relógio assim, pequeno, sem extravagância, servia muito bem de enfeite. Ela descia as escadas dando leves pulos, degrau alto não sabe contar. E entre passadas de mão pelo cabelo, bagunçando tudo, revirando para os lados, ela dizia ter que escrever.
Já li em suas letras uma frieza e doçura sem igual. Pelo escuro da íris, percebi sentir muito e demonstrar um pouco menos. Escrevia para não voltar, escrevia como se não fosse voltar para seu lugar de origem. Seu mais novo irmão, que imagino ter os mesmos olhos, é um dos que aumentam o senso para que Cruzília chegue a 15.000 habitantes. Espero que demore só um pouquinho, para que as pessoas valorizem essa cidade do interior dos cavalos ‘Mangalarga Marchador’ do Barão de Alfenas, deem uma volta pela Praça Capitão Maciel, por aí vai.
Acendia um cigarro. Mudou de marca, de gosto. A cor da embalagem, vermelha. Sorvia o chá e sorriu. Estava bom. Sorte minha ser especialista em preparação de chá de hortelã. Outro trago no cigarro. Vamos lá?
Desse tempo que me assombra, me toma memórias e deixa mágoas, tenho mais é que me valer de continuar inteira. Começou mais ou menos assim a conversa que duraria semanas, meses, enquanto o chimarrão não fosse resgatado.
Uma pessoa, o Pessoa, é parte dessa mesma vontade do regresso da volta ao ateliê, onde o ar é mais leve, onde os limões crescem à volta da casa e pode-se ouvir o galo cantando por além da janela. Foi a Raísa que pintou aqueles quadros mesmo? Coisa fina, viu. Nunca fui de escutar muito galo, nunca fui muito de fazenda, não conheço tanto. Tu me ensina? Me conta de novo aquela história do seu avô, que tem a ver com o carnaval do Rio, que lembra algo sobre cavalos. Promete que conta de novo? Não esqueço, agora presto mais atenção.
A guria sem relógio de tempo quer me deixar louca quando tenta me desacelerar. Entendo que seu tempo é de ouro e tudo nele parece não existir para os demais.
“Sou diferente, sabia?” Disse uma vez em um diálogo imaginário em minha mente. Casou direitinho com o que pensei para a tarde de chuva.
“Sei, sim... Mas por que isso agora?”
“Sou diferente porque não entro nessa de horários e compromissos com hora marcada, respeito o tempo dos outros, mas meu tempo passa pelos meus olhos e não pelo pulso”.
Foi minha vez de sorrir sem chá e com coração. O que ela dizia – mesmo que somente para mim – era verdade. As outras pessoas não sabiam controlar aquele tempo, por isso relógios, celulares e outras máquinas, para tentar prendê-lo ali.
A guria não, ela fechava os olhos e através deles desenhava números com os lábios, assoprava e tinha as respostas.
Espaço de caderno não existia para ela. As folhas tinham que ser infinitas, ora pois! “Quem disse que competência se mede em linha, sentimento, amor?”
E indignava. Ela conhecia o mundo, o mundo fantástico dos que sonham. Ela tinha medo desse mundo. Medo de cair em si e não vê-lo mais assim. Queria as lentes que sempre usou. Queria ver nuvem por negativos de foto. Queria seu colar antigo no pescoço, o que lhe dava proteção.
Bradava com fúria nos tempos de luta semi-armada. Era abelha rainha de ferrão emprestado do zangão de república. É abelinha colorida que voa, bonita, ladeira acima segue sem precisar parar. É Carolina, feito pra rimar, é letra de música, de Chico, de Jorge, é de cadência de mar azul.
É daquelas que deixa saudade de falar o nome, de dizer que está bem. É menina que já cresceu, já viveu e ainda falta muito. É guria tranqüila, rodando saia pelo quintal de casa, brinca com flor como se fosse boneca. É tudo o que eu não pude ver, o que não conheci. Entende com os próprios olhos de acertar ponteiro, que não posso enganá-la, pois sabe ler meu rosto como um livro de Bauman e me explica, paciente, o porquê das coisas.
Acerta o ponteiro para descansar. Desliga as outras máquinas e liga o som. Coloca aquela do Cartola, essa é nossa também. Das lembranças que estão aqui, nenhuma delas sobrevive sem que a gente tente mais uma vez. Nos vemos amanhã, sim?

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Libertar

Fala pro outro, Carolina!!

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Das coisas finas da vida

















                                                                                                           Amar até poder transbordar. Sem não.

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