terça-feira, 30 de julho de 2013

A Performática Roda Viva brasileira em tempos de primavera civil

Por Ana Carolina Meirelles, da Vírus Planetário Minas Gerais.
Foi um passo além do chão.
A força de um, de dois, de dez, de cem mil, de um milhão. Um batuque dentro do peito de ver toda essa gente ocupando tantas ruas distraídas. Por amor às causas somáticas, coletivas, humanas, de um país até então carente de ativismo em massa, o povo se manifesta. Abandona o invólucro para amplificar a sua voz. Vozes dissonantes, eqüidistantes, até mudas e engasgadas, não importa se elas se encontram ou não neste momento, já que se é a prática desta gente a atitude cidadã de reivindicar os seus direitos civis, portanto, legítima porque resiste.

Foto: Arquivo de Ana Beatriz Noronha
O Brasil iniciou uma performática roda viva às suas inquietações coletivas. E este despertar da consciência faz um pequeno milagre nestas células com capacidade revolucionária: cada ser humano como construtor potente de sua realidade social. No cenário brasileiro, a grande vitória das manifestações não foi a revogação do aumento das tarifas no transporte público, mas sim a força que levou a juventude do Brasil inteiro a desocupar tantos espaços vazios e ir disputar os verdadeiros espaços de poder. A revogação foi apenas a conseqüência imediata de uma linha política defendida pela ideologia que condena às práticas do neoliberalismo e estreita a possibilidade da emancipação humana no bojo da ordem do capital.
Nas margens da primavera brasileira, estão os oportunistas, os reacionários transvestidos de revolucionários, a burguesia que incita petições contra o impeachment da presidenta Dilma Roussef e contra o fim da corrupção, que dizem não às bandeiras partidárias nos atos, os que antes nunca foram a uma manifestação deveras. São aqueles que se preocupam mais com os grupos minoritários que foram ao confronto com a polícia do que com a truculência e despreparo desta própria polícia. Ainda que ela seja da mesma maneira explorada e passível de reivindicações como os manifestantes. Pela imprevisibilidade do momento, a juventude que militava enquanto o gigante dormia entoa agora seus próprios vazios destoantes além do arrepio; a base que se levanta ainda está no senso comum pintando a cara de verde e amarelo e abraçando a bandeira nacional, num gesto nacionalista que de exacerbado nunca fez luta proletária, como bem nos mostra a história moderna.
Da primavera brasileira, o que se glorifica é a própria primavera brasileira ainda que no outono. É a ocupação dos espaços públicos, desta força quase metafísica sem análise política contundente. Uma transgressão performática do povo, um grito, um desabafo doído contra tudo e contra todos. Um ato de vandalismo contra a pior injustiça de uma nação, a desigualdade social e suas vicissitudes, seus crimes contra a liberdade humana e seu patrimônio imaterial…
Seja então o caos instaurado dentro do povo, o motivo da revolução ardente esperada pela juventude, seja a luta nas ruas saídas e bandeiras para a reforma política! Que caiam os reis!

A História de Leonard Zelig

* Trabalho apresentado para a disciplina de Narrativas Visuais - Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto


A História é de Leonard Zelig – o homem cameleão. O Pseudo-documentário é de Woody Allen. Dirigido e produzido pelo cineasta em 1983, esta película é uma experimentação interessante; na medida e que se utiliza de formas inovadoras para se contar uma história, e representa ser, de certo modo, afirmação e a negação, ao mesmo tempo, de uma produção documental. Zelig representa o documentário na sua forma de percepção e engana pelo conteúdo. Ele distorce a verdade e utiliza a técnica cinematográfica para transparecer que é, de fato, um documentário, mas ao mesmo tempo oferece no enredo o verdadeiro oposto disto. O personagem Zelig é tão impossível, que não pode ser real. Senão por isso, pelos atores reconhecidos e personagens reais e contemporâneos da década de 1980 de Woody Allen, teríamos todos os aparatos técnicos, toda a linha documental seguida veemente para crer que Zelig realmente existiu; que ele realmente poderia ser muitas personas ao mesmo tempo. Afinal, o que é ficção e o que é realidade? E ainda mais, o que seriam quando passam do nível da realidade para entrarem no cenário cinematográfico, Onde tudo é possível? Clap, Clap, Clap, uma salva de palmas para a genialidade do realizador e personagem do filme, Woody Allen. A minha primeira percepção do filme foi exatamente esta: “Não é possível que isto não aconteceu!” O inverso do real que me transportou para um mundo nada provável. O mundo à parte do cinema; isento de funções e suscetível ao transpor barreiras e criar novos mundos, novas maneiras de ver, ter novas e diversas formas do sentir, e de se comunicar.

Sinopse: Leonard Zelig (Woody Allen) é um homem que consegue se transformar físico e psicologicamente de acordo com os grupos sociais em que mantém contato, tornando – se um comum entre eles. Nos anos 20, o escritor Scott Fitzgerald observa Zelig durante uma festa prestigiada por artistas, poetas e pela nata da alta sociedade da época. Fitzgerald anotou em seu caderno sobre um homem que parecia ser um Aristocrata, conversava como tal, e após uma hora estava no meio da criadagem, se autodenominando democrático e se comportando como se fosse parte do povo. Zelig logo ganhou fama. A mídia sensacionalista lhe atribui o pseudônimo de “O Homem Cameleão”. Curiosos pelo caso bizarro noticiado, os médicos tentam descobrir qual é o transtorno de Zelig; mas não conseguem chegar a nenhuma conclusão. No entanto, quem se interessa muito pelo seu caso é a psicóloga “Eudora Fletcher (Mia Farrow)”. Ela objetiva curar o transtorno de Zelig, devolver a ele sua personalidade normal e ganhar reconhecimento profissional com o caso. Mas em uma das terapias feitas na sua casa de campo, em uma sessão de hipnose, ela descobre que Zelig estava apaixonado por ela. Prestes a se casar, ela também se apaixona pelo paciente. As demonstrações de afeto, de amor e o cuidado, ajudam Zelig na sua recuperação e o casal acaba virando celebridade nacional. A partir daí, o passado de Zelig vem à tona, e com ele muitos problemas; a bigamia se revela a principal. Diante do enfrentamento moral da sociedade, Zelig desaparece. A doutora Fletcher o encontra na Alemanha trabalhando no governo Nazista, antes da Segunda Guerra Mundial. Os dois acabam
por fugir para a América em um avião pilotado de cabeça pra baixo, em um momento em que o transtorno de personalidade de Zelig veio à tona e ele achou que era um piloto. Eles cruzaram o oceano atlântico com o avião de cabeça para baixo e foram ovacionados quando chegaram à América, tudo isso pelo grande feito realizado. Enfim, ele ganha novamente a opinião pública ao seu favor e é condecorado pelo governo Americano.

Análise de duas sequências:

1ª Sequência: A Sessão do Quarto Branco:
O plano aberto e a câmera fixa central foca Bruno Betterlheim – psicoterapeuta – em um lugar que indica ser provavelmente seu escritório. O ambiente é propício para entrevistas intimistas e abordagens mais intelectuais e científicas. Nesta cena, as imagens coloridas indicam que o realizador do documentário recorre a alguém nos dias de hoje (na época da finalização do documentário fictício) que tenha acompanhado a história de Zelig para que se possa fazer uma reportagem do caso. Betterlheim fala sobre “As sessões do Quarto Branco” (a cena seguinte) e sua importância para a eficiência nas relações fortes entre médico e paciente alcançadas naqueles dias. O psicoterapeuta pontua também, sobre as inquietações da classe médica por este paciente que apresentou sintomas nunca antes presenciados na história da medicina e da psicologia. Por último, menciona suas próprias percepções acerca de Zelig.
A entrevista com Bruno Betterlheim tem duração média de 45 segundos e garante aparato necessário para que se dê entrada à próxima sequência. A cena seguinte irá mostrar as sessões terapêuticas realizadas pela doutora Fletcher e Leon Zelig em sua casa de campo. São essas as “Sessões do Quarto Branco” sobre as quais relatava o entrevistado.

2ª Sequência: Continuação Sessão do Quarto Branco:

Esta cena retrata a tentativa inovadora de tratamento desenvolvido pela Doutora Fletcher para o transtorno de personalidade de Zelig. A psicoterapeuta prepara um ambiente neutro, longe da sociedade para tentar devolver a ele sua própria personalidade. Para essas sessões ela utilizou mais um elemento inovador. Certa do significado do seu trabalho, ela é auxiliada por uma câmera fixa que filma todos os procedimentos utilizados no tratamento.
A presença da câmera fixa no quarto branco muda mais uma vez a maneira de comunicação entre a câmera e espectador; já que estamos acompanhando as cenas guiadas pela câmera usada nas sessões e não pela câmera do realizador do documentário ou das imagens pré-selecionadas de arquivo, que foram encaixadas no filme como um guião da história.
E é por esses “olhos” que acompanhamos às cenas. As imagens são em preto e branco e reforçam ainda mais a ideia de que aquelas cenas são verídicas e são provenientes de arquivo.
Um arquivo apresentado aos espectadores de antemão. A sequência dura aproximadamente três minutos. O filme desta câmera fixa está desgastado, com manchas, riscos e falhas. Um pouco mais do que o das outras imagens presentes no documentário. Este cuidado tomado por Woody Allen pode ser explicado para que se passasse a ideia de que a câmera doméstica apresentava filmes ainda mais raros e mais importantes do que os outros.
Esta primeira sequência do quarto branco apresenta os dois personagens, Doutora Fletcher e Leonard Zelig, pelos olhos do primo da psicoterapeuta. O ambiente é pequeno, o que favorece um plano mais fechado e a angulação média. Há o momento em que Fletcher avisa à Zelig que a sessão está sendo filmada. Ele rapidamente localiza a câmera fixa escondida e se dirige a câmera e fala para ela. Ou seja, neste momento, ele fala diretamente com o espectador.


Análise do filme “Zelig”
Woody Allen

Nas suas produções cinematográficas, é notório que Woody Allen gosta de experimentar. Testar formas estilísticas distintas até alcançar um grau em que a produção esteja realmente autoral. Reconhecer um filme deste cineasta americano não é uma tarefa difícil. Muitas de suas produções trazem imagens em preto e branco (mesmo com o advento das imagens cores, o que faz esta escolha ser estritamente opcional). Na década de 1980 e até os dias de hoje, as imagens a cores já eram comumente utilizadas pela indústria cinematográfica e pelos diretores mais conceituados do cinema “bem feito” a nível mundial. No entanto, a miscelânea entre imagens em preto e branco e a cores para àquela época representava mais um diferencial do cinema realizado por Woody Allen. O filme Zelig definitivamente não pode ser chamado de documentário, ele extrapola as barreiras conceituais do gênero documental (embora este gênero apresente segmentações). No entanto, diversos autores lhe atribuem outra nomeação, que parece bem cabível quando analisamos os elementos estilísticos utilizados na realização do filme. “Zelig” pode ser chamado de “Fakedocumentary”, ele apresenta elementos que são utilizados na produção de um documentário normal, que atribuem ao documentário sua forma, de fato; como a utilização de imagens em forma de arquivo, depoimentos, entrevistas e a locução fora de campo, a “voz over” – que é a detentora do saber daquela realidade que está em foco.

Woody Allen projeta a história do Homem Cameleão em fatos históricos e recorre a acontecimentos verídicos dos anos 20 e 30, bem como personagens famosos do seu tempo, ligados às artes, à literatura para comprovar à veracidade dos fatos que está sendo contado através daquela história. Imagens de cartazes, documentos, fotografias, filmes velhos fazem com que realmente, esteticamente, o filme tenha a forma de documentário. Woody Allen consegue estabelecer com o espectador asserções acerca do mundo histórico, através da nossa memória coletiva, das imagens câmera e do nosso conhecimento prévio sobre o formato que está sendo utilizado, que é similar ao formato de um documentário, e, portanto que retrata a verdade. Além de ser também o resultado de experiências vividas com pessoas concretas e situações concretas que estão sendo documentadas e que possuem uma coesão cronológica e espacial entre si. Deste modo, o “Fakedocumentary” aqui é entendido assim: um filme que penetra na forma estilística do documentário, mas que só não o é porque a sua história não esbarra na verdade; e sim na ficção. Desta maneira, temos uma história inventiva que se sobrepõe não só a forma estilística de documentário usada pelo diretor Woody Allen, como também na elaboração dos personagens, das meias verdades e da maneira única com que modifica a nossa visão do real. Fazer com que o Scott Fitzgerald tivesse participação na película, anunciar que ele foi o escritor que iria registrar os anos 20 para as gerações futuras, e ainda, mostra – lo através das imagens de arquivo, por exemplo, implica tomar este fakedocumentary como não todo fake. Existem também as verdades. Sabemos quem foi Fitzgerald. No entanto, o escrito americano não observou Leonard Zelig durante uma festa na mansão dos Henry Potter Sutton. E muito menos os Henry Potter Sutton davam festas suntuosas na sua mansão.

Neste filme, Woody Allen consegue fazer com maestria uma sobreposição intrigante entre a verdade e a ficção. O diferencial de Zelig é, sobretudo, a maneira como a história é contada. De ficção por ficção, nada como transformar o ficcional para o real e depois transformá- lo em ficcional novamente. Mesmo não sendo um documentário, ele consegue transformar a realidade. Ele transforma os anos 20, as pessoas dos anos 20, e de certa maneira até brinca com as imagens das celebridades da época.
Além de toda inovação na forma estilística da película, o transtorno único de Leonard Zelig é por si só outra questão que suscita várias perguntas e está correlacionado com toda a produção e também com as escolhas feitas pelo realizador do filme. Justamente nos anos 20, nos anos em que a América vivia sua efervescência cultural, em que a sociedade se transformava muito rapidamente, Woody Allen também não deixa de tratar no cerne desta película a construção da nossa personalidade, a questão do indivíduo e a nossa vontade de sermos iguais; os nossos medos; medos de sermos percebidos por entre a multidão, medo de sermos diferentes, medo, sobretudo, de não sermos aceitos pela sociedade pelo que realmente somos. Um mundo de iguais a cada dia, um mundo da sociedade de massas, que mais adiante, iriam estudar os comunicadores da Escola de Frankfurt.

Universidade do Porto/ Faculdade de Belas Artes
Disciplina: Narrativas Visuais
Análise do filme:
Zelig
Aluna: Ana Carolina Meirelles Andrade Ferreira

Dezembro 2011

pó de nuvem

E na despedida, tios na varanda... e o coração lá. 

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