sábado, 31 de março de 2012

O que é ser simples II


O simples não se questiona tanto assim sobre si mesmo. Ele não se aceita nem se recusa. Não se interroga, não se contempla, não se considera. Ele é o que é, simplesmente, sem desvios, sem afetação, ou antes, faz o que faz, como todos nós, mas não vê nisso matéria para discursos, para comentários, nem mesmo para reflexão.
A simplicidade constitui o “antídoto da reflexividade” e da inteligência, que evita que estas se envaideçam, se percam em si e com isso percam o real, se dêem demasiada importância, dissimulem, façam enfim obstáculo àquilo mesmo que pretendem revelar ou desvelar.
Transparência no olhar, pureza no coração, sinceridade do discurso, retidão da alma ou do comportamento...
A simplicidade é esquecimento de si, é nisso que ela é uma virtude: não o contrário do egoísmo, como a generosidade, mas o contrário do narcisismo, da pretensão, da auto-suficiência.
A simplicidade é a verdade das virtudes: cada virtude só é ela mesma se livre da preocupação de parecer, e mesmo da preocupação de ser, se, pois, for sem rebuscamento, sem artifício, sem pretensão.
O simples é aquele que não simula, que não presta atenção (em si, na sua imagem, na sua reputação), que não calcula, que não tem artimanhas nem segredos, que não tem segundas intenções, programa, projeto...
A simplicidade é o esquecimento de si. O eu subsiste nela, é claro, mas como que mais leve, purificado, libertado. Faz muito tempo, até, que ele renunciou a buscar sua salvação, já que não se preocupa com sua perda. A religião é complicada demais para ele. A própria moral é complicada demais para ele. Para que essas perpétuas voltas sobre si mesmo? Nunca acabaríamos de nos avaliar, de nos julgar, de nos condenar... O simples sabe disso e nem se importa. Segue seu pequeno caminho, de coração leve, alma em paz, sem objetivo, sem nostalgia, sem impaciência. Nada tem a provar, pois não quer parecer nada. Nada tem a buscar, pois tudo está ali. O presente é a sua eternidade, e o satisfaz."

segunda-feira, 12 de março de 2012

Melodrama


Terror de lembrar dos tempos frágeis, em que louca, me esmiuçava num silêncio profundo à procura de respostas vagas, sem nortes, nem caminhos. Terror de te amar nesse tempo chuvoso, nesse cheiro de terra. De trazer mais lembranças do que poderiam ser apenas eu mesma, de lembrar de que de nós, nada mais que o pó, que o passado, nada mais do que palavras, que já nem soam mais.

As palavras gritam quando são essas, as histórias de amor que já não cabem mais. Elas sussurram, invadem, confundem da cabeça aos pés; e o tempo passa; passa como sempre passou. Ele leva o conforto da hora marcada, do pensamento inato ao passar do caso, e acaso. Depois do tempo, voltam eles, os dois, e até sem olhares, passam eles pelo mesmo espaço – tempo evitando o o encontro. Retinas miúdas que fogem, calam, deslocam.

Diga – me. Deixa – me te ouvir. Não faça com que saiam dessas lembranças tempestuosas a história de um amor que não foi. Diga – me. Deixa – me te ouvir. Deixa – me mais um vez repousar nas tuas palavras. Deixa – me ver que elas ainda existem. Que não são como a morte, o tempo de já ter estado. Diga – me. Estou aqui.

Colocamos um meio no nosso fim. E despistando os sentimentos tão vagos, que a razão pede pra calar; cumprindo a tabela de que não; não outra vez. Ainda estou aqui, a espera por ficar exausta por tantos outros encontros, palavras, afetos. Não há lei do mais forte. Mas também não sou dessas de que vai lá e faz, vai lá e arrisca. Porque precisa do risco para viver; para amar. Ainda prefiro o terror do silêncio profundo a um vacilo qualquer. Do teu jogo eu já cansei de jogar; mas das tuas palavras e retinas ainda não.

Terror de viver tempos frágeis e continuar vivendo. Drama absoluto que só a palavra te proporciona. Só o afago do espelho íntimo da prosa não ensaiada. Os espelhos. Esses que sempre pregam a verdade. Odeio espelhos. Prefiro então, os amores mal resolvidos.

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