terça-feira, 26 de abril de 2011

Reach for the sky





Eu posso ser compositora, posso ser dançarina de salsa, posso escrever um livro, desperdiçar horas em um sebo. Posso ler todos os quadrinhos, revistas antigas, folhear todas as páginas atrás de alguma notícia sobre maio de 68. Posso assistir De volta pro Futuro, I am sam, Senhor dos Anéis. Posso comprar todos os dvd's do Iron Maiden e do Acdc. Posso colecionar todas as revistas e curiosidades de Asterix e Obelix; e sempre, como antes, eu vou pensar que poderia presentear o João com todos os quadrinhos, todas as músicas, todas as coisas.

Lembrar das tardes de domingo em Cruzília, antes do almoço, antes dele ir pra Belo Horizonte. A gente no sotão, e ele empolgado com as histórias do Asterix. Já tinha todas as revistas. ( Meu presente do Porto não seria tão inusitado). O Anthology dos Beatles, meus dois coelhos, Karenina e Nina. Depois o ir, o voltar, e me ver. E foi assim por 5 anos. Todas as noites, todas as manhãs, todas as tardes. Todos os meus escritos, as músicas, toda a descoberta.

Amor, dar e receber.

Eu posso dançar um tango, ver meninos de cabelos cacheados castanhos na rua, e pensar, queria, no pretérito perfeito, imensamente, ter gerado um Enzo, do João. E quando eu tivesse com 40 anos, ele com quase 50, a gente admirasse de longe, montados em dois cavalos mangalargas, no alto da Boa Vista ou do Jaboticabal, as terras e a boa aventurança de ter nascido e ser criado no sul de Minas. Numa cidade pequena mas que nos fez encontrar nessa mesma vida, um amor, dois corpos.

O que foi feito da vida? O que foi feito do amor? Eu já gostava da cor castanho pinhão do cavalo Junqueira Torpedo, quando descobri que tinha talento para criar romances, bucólicos, que durariam uma vida, que durariam a minha vida inteira, e ininterrupta a minha vida. Mas eu sabia que eu precisava voar.

Outros outubros virão, outras manhãs plenas de sol e luz. Na Melancia, terra do Vô Geraldo, de manhã, na chevrolet azul, também do vô, meu pai que não sabia direito o que fazia naquela família, de gente criada na terra firme e que gostava de um bom cavalo marchador, me mostrou um passarinho, um irapuru, que era miudinho mas que voava com uma beleza fugaz e era mais leve que uma pena... Eu, criança, queria brincar de armar um arapuca pro passarinho, e depois soltar ele, deixar ele cantar livre.

Ah, aquele passarinho! Depois ele foi o João, que voou, voou... E eu fiquei sem entender, eu fiquei inconsolável, eu fiquei sem saber porque ele podia voar e eu não... Quando eu seria passarinho leve e miúdo, que palpitava o coração mais que podia, que alcançava o céu? (...)

Eu fiquei sem entender. Eu queria era ir também. Ver outros horizontes em outras terras desconhecidas, ser eterna, alma nova e renovada.

Eu posso ser todos os eus possíveis, e eu sempre vou lembrar desse amor, desse delírio, dessa coisa que me enlouquece, que me faz padecer de momento à momento, que faz meu coração gelar, gelar. Até onde eu aguento esse gelo que me corta toda por dentro? Que me dilacera inteira por dentro?

Seria até parar e eu não sentir mais nenhuma palpitação, não sentir mais nenhuma veia, e meu sangue parando nas veias, cada veia se assossegando, quietas, serenas... Cessa esse delírio de eus possíveis, quero eu mesma, sem mudar, sem recomeçar. Quero eu e ele, porque não existe Carol sem João, e João sem Carol.

Quando eu gostava da cor do Junqueira Torpedo, eu nem sabia quem eu era, quem eu me tornaria. Me tornaria eu com 21 anos? Me tornaria inconsolável, despedaçada, num abril abafado em Portugal? Onde estou? Quem são essas pessoas? Quem são os meus? Cadê os meus? Vida, que seja doce! Que é amarga? Mas eu não aceito. Todos retornam às cinzas, mas eu não aceito.

Maio de 68? Revoluções pessoais? Ou menina ressabiada e assustada do Sul de Minas? Aperto - me contra mim mesma, como um caramujo volta à sua casa... Aperto, aperto, e sinto nas vísceras uma dor sufocante, uma falta de ar, esse medo, dessas outras manhãs... Jamais esquecerei. Jamais, enquanto eu estiver respirando, esquecerei desse amor terno, sensível, que transborda em mim...

Rasgo -me em infinitos pedaços sem poder imaginar estar ao lado dele, nós dois, velhos, olhando um horizonte distante, de mãos dadas, atadas pelo destino que era tão certo, lembrando de onde somos, quem somos, amando sermos nós, juntos, por toda a vida, toda à distância, todo o tempo, um do lado do outro, para sempre.


Que eu o encontre.


Ps: Obrigada a todos os meus amigos pelo apoio, colo, palavras, afeto, amor. A amizade de vocês foi o meu maior conforto. Obrigada Mãe, Pai, Tia Solange, Railson, Jucyra, Marcelo.

Joãozin, reach for the sky!



quinta-feira, 7 de abril de 2011

Abril Despedaçado


Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...


Mário de Sá Carneiro


.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Supra Sonho

vem palavra, vem a fala
o mundo equidistante pára
imaginação, imagens, mar
mundo vão
mundos são
papéis desencadernados
esteja ca já, esteja cajá

Graveola e o Lixo Polifônico



sábado, 2 de abril de 2011

Amarelo Manga



Para Débora Ribeiro

"Hiatos, em que a vida fica intolerável"


As pausas, em que a vida deixa de existir. São elas as ilusões mais precisas em que eu possa me arriscar. As palavras escorrem de mim, elas não se soltam. Elas não exclamam. Elas são viscerais por completo. O calor do momento é o meu melhor momento. Eles são os HIATOS da minha vida. Em que eu me arrisco ser. Assim, sem mais, nem menos. Ser carnal. Ser que não come carne. Ser que não consegue ver uma vaca sendo morta em uma das cenas de "Amarelo Manga". Ser, sem que se possa pensar em realismo cru. Mas que ama o realismo cru e sente o prazer imensurável de vê - lo viver nos HIATOS quase mortos que a vida possa oferecer.


Nos matamos para viver. Matamos vários leões diariamente dentro de nós. Somos selvagens de corpo e alma. Amamos o áspero ainda mais quando o sentimos. Amamos o áspero e suportamos qualquer dor, qualquer coisa que se sinta do áspero. Porque o afável, o afável não tem graça. O afável é para os doces. Somos amargos. E amargos também somos, de corpo e de alma. Entre o áspero, o doce e o amargo, existem os hiatos. E são onde matamos nossos leões. Ou não matamos? Ou deixamos morrer junto aos Hiatos nossas frações de vida?


"O ser humano é estômago e sexo
E tem diante de si a ordem
de ter obrigatoriamente de ser livre
Mas ele mata e se mata
com medo de viver
Por isso meus olhos estão cegos
para não enxergar as falhas desses pecadores
Meus ouvidos escutam uma voz que diz
Padre, morrer não dói
Estamos todos condenados
Eternamente condenados
condenados a ser livres".


Ps: As citações são do filme Amarelo Manga e de Clarice Lispector.





Artigos relacionados

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...